“Ai de vós, escribas e fariseus, hipócritas! Porque limpais o exterior do copo e do prato, mas o interior está cheio de rapina e intemperança.”
— Mateus 23:25
Os fariseus aparecem com frequência nos Evangelhos do Novo Testamento, quase sempre em confronto direto com Jesus. Mas quem eram eles, de fato? Estariam apenas cumprindo um papel de vilões na narrativa bíblica? Ou seriam parte de um cenário social, político e religioso muito mais complexo do que parece à primeira vista?
Neste texto, vamos tirar o manto da religiosidade e olhar para os fariseus como o que realmente foram: uma força social profundamente enraizada na história do judaísmo e da Palestina antiga.
Os fariseus surgiram por volta do século II a.C., durante o período do Segundo Templo, em um momento de intensas transformações para o povo judeu. Após o exílio babilônico e sob a dominação sucessiva de persas, gregos e romanos, a identidade judaica buscava formas de preservação.
Os fariseus representavam um dos principais grupos que disputavam essa identidade. Diferentemente dos saduceus, que controlavam o Templo e se aproximavam da elite sacerdotal, os fariseus defendiam uma prática religiosa centrada na Lei (Torá) e nas tradições orais, acessíveis ao povo comum.
Apesar de não serem uma classe dominante no sentido político, os fariseus formavam uma espécie de elite intelectual e religiosa. Dominavam a interpretação da Lei e influenciavam profundamente o modo como a fé judaica era praticada no cotidiano — desde a alimentação até os rituais de pureza.
De acordo com o estudo Pharisees, Scribes and Sadducees in Palestinian Society: A Sociological Approach, a atuação dos fariseus ia muito além da religião. Eles funcionavam como uma espécie de “classe média ideológica” da Palestina do século I, influenciando tanto os mais pobres quanto os mais abastados com suas visões sobre moralidade, pureza e justiça.
O historiador Étienne Nodet, em sua obra Essai sur les origines du Judaïsme, reforça que os fariseus foram essenciais na transição do judaísmo centrado no Templo para um judaísmo mais comunitário e ético, algo que se tornaria ainda mais evidente após a destruição do Templo de Jerusalém no ano 70 d.C.
Nos Evangelhos, os fariseus são retratados como opositores frequentes de Jesus. No entanto, é importante lembrar que ambos compartilham raízes comuns: a valorização da Torá, o ensino entre o povo, e até algumas críticas ao sistema sacerdotal do Templo.
O confronto se dá, principalmente, no campo da interpretação. Jesus questiona a rigidez com que os fariseus aplicam a Lei, acusando-os de hipocrisia e de se preocuparem mais com aparências do que com a verdadeira justiça.
Esse conflito, porém, não deve ser lido apenas como um embate entre “bem e mal”, mas como um retrato das tensões internas dentro do próprio judaísmo da época.
Apesar da imagem generalizada (e por vezes negativa) nos Evangelhos, os fariseus não foram um grupo homogêneo, e muitos de seus membros foram intelectuais, mestres, conciliadores e líderes espirituais. Entender suas figuras centrais nos ajuda a ir além do rótulo e compreender sua complexidade histórica.
📖 Evangelho de João 3:1
Um fariseu que procura Jesus à noite para conversar sobre o Reino de Deus. É apresentado como um homem culto e sincero, curioso sobre os ensinamentos de Jesus.
Posteriormente, aparece defendendo Jesus no Sinédrio (Jo 7:50) e ajudando a preparar seu sepultamento (Jo 19:39).
📖 Atos dos Apóstolos 5:34
Um respeitado mestre da Lei, do partido dos fariseus, que intervém no julgamento dos apóstolos e aconselha prudência ao Sinédrio.
É descrito como sábio e tolerante, um exemplo de moderação dentro do farisaísmo.
📖 Filipenses 3:5
Ele mesmo se identifica como fariseu: “circuncidado ao oitavo dia… da tribo de Benjamim… quanto à Lei, fariseu”.
Embora tenha se tornado o principal apóstolo dos gentios, sua formação rabínica teve grande impacto em sua teologia.
Um dos mais venerados mestres do judaísmo.
Conhecido por sua humildade e pela famosa “regra de ouro”:
“O que é odioso para ti, não o faças ao teu próximo.”
Suas interpretações da Lei se tornaram base para o judaísmo rabínico.
Contemporâneo de Hillel e seu contraponto mais rigoroso.
Ambos lideraram escolas rivais: Beit Hillel (Casa de Hillel) e Beit Shammai (Casa de Shammai).
Seus debates ilustram a diversidade de pensamento entre os fariseus.
Historiador judeu que, embora não se identifique como fariseu em todos os escritos, teve contato próximo com esse grupo.
Em sua obra Antiguidades Judaicas, descreve os fariseus como “os mais exatos intérpretes da Lei”.
Estudar os fariseus é mergulhar em um capítulo crucial da história do judaísmo e da formação do pensamento religioso no Ocidente. É entender que, antes de serem “vilões bíblicos”, eles foram agentes reais em um tempo real — com ideais, contradições, e um papel fundamental na transição de uma fé centrada no Templo para uma fé centrada na comunidade.
EERDMANS, William B. Pharisees, Scribes and Sadducees in Palestinian Society: A Sociological Approach. William B. Eerdmans Publishing Company, 1987.
NODET, Étienne. Essai sur les origines du Judaïsme: de Josué aux Pharisiens. Paris: Cerf, 1990.
Bíblia Sagrada. Evangelho de Mateus, capítulo 23.
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