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Ordália: Se venceu, é Gênio. Se perdeu, não presta

A derrota do Palmeiras no final do ano passado, 08/10/2023, diante do Santos trouxe à tona uma característica peculiar do jornalismo esportivo brasileiro: a análise baseada em conveniências. O técnico português Abel Ferreira, até então tratado como fora de série, passou a receber uma série de críticas:

A palavra “ordália” evoca uma prática antiga de julgamento que era comumente utilizada em várias culturas ao longo da história, incluindo a Europa medieval, Ásia e outras regiões do mundo.

A ordália era um método de determinar a culpabilidade ou inocência de uma pessoa acusada de cometer um crime ou de estar envolvida em uma situação controversa. Este método, embora hoje considerado arcaico e bárbaro, desempenhou um papel significativo no sistema legal de muitas sociedades antigas.

O Processo da Ordália

O processo da ordália geralmente envolvia a submissão do acusado a uma série de provas físicas, muitas vezes extremamente dolorosas, que supostamente eram influenciadas por forças divinas ou sobrenaturais. A ideia subjacente era que a intervenção divina iria proteger o inocente e punir o culpado.

Existiam vários tipos de ordálias, e cada uma delas tinha suas próprias características. Alguns exemplos incluem:

  1. Ordália de Água Fervente: O acusado era instruído a mergulhar a mão em um recipiente de água fervente. Se sua mão saísse ileso, era considerado inocente.
  2. Ordália de Ferro em Brasa: O acusado carregava um ferro em brasa por uma certa distância. Se as feridas não apresentassem infecção após um período de tempo, ele era considerado inocente.
  3. Ordália de Combate: Duas partes envolvidas no conflito lutavam até que uma delas fosse derrotada. O vencedor era visto como aquele em quem Deus favorecia.
  4. Ordália de Mergulho: O acusado era lançado em um corpo d’água. Se ele flutuasse, era considerado culpado, e se afundasse, era considerado inocente.

Problemas e Críticas à Ordália

A ordália, embora fosse vista como um meio de alcançar a justiça divina na época, hoje é amplamente considerada como uma prática brutal e injusta. Havia muitos problemas associados a essa abordagem:

  1. Falta de Justiça: A ordália não dependia de evidências concretas ou testemunhos confiáveis, tornando-a suscetível a abusos e resultados injustos.
  2. Superstição: A crença de que as ordálias eram determinadas por forças sobrenaturais baseava-se na superstição e na falta de compreensão científica.
  3. Sofrimento Injusto: Muitas vezes, os acusados eram submetidos a provas extremamente dolorosas, independentemente de sua culpabilidade ou inocência.

E qual a relação do conceito de ordália com a análise de jornalistas e torcedores de futebol?

No vasto universo do futebol, a paixão e a emoção estão sempre presentes. Milhões de torcedores ao redor do mundo celebram vitórias com euforia e lamentam derrotas com tristeza. Mas, por trás dessa montanha-russa de sentimentos, muitas vezes observamos uma tendência peculiar: a análise de partidas de futebol por jornalistas e torcedores frequentemente segue o conceito da ordália, onde tudo é exaltado na vitória e vilipendiado na derrota.

A Ordem das Vitórias

Quando uma equipe vence, as análises se enchem de elogios e louvores. Todos os aspectos são exaltados: a preparação física é considerada exemplar, a tática é brilhante, a vontade dos jogadores é inabalável, a técnica futebolística é sublime e as ações do técnico são geniais. Parece que tudo funcionou como um relógio suíço.

Vamos considerar um exemplo recente: uma equipe vence um clássico local por 3 a 0. Os jornalistas apontam a genialidade do treinador que escolheu a formação perfeita, os jogadores são exaltados por sua dedicação e habilidade, e até a sorte é mencionada como aliada da equipe vencedora. Os torcedores compartilham memes de celebração nas redes sociais, entoam cânticos de vitória e, por um momento, o mundo parece perfeito.

A Desordem das Derrotas

No entanto, quando essa mesma equipe perde, a ordem das coisas se desfaz. A análise muda drasticamente. Agora, a preparação física é questionada, a tática é vista como ultrapassada, a vontade dos jogadores é posta em dúvida, a técnica futebolística é considerada medíocre e as ações do técnico são alvo de críticas ferozes. Parece que tudo desmoronou, e o mundo parece estar desabando.

Imagine que essa equipe, após a vitória por 3 a 0, perde por 1 a 0 em um jogo seguinte. Os jornalistas agora afirmam que o treinador é um incompetente que não soube se adaptar, os jogadores são chamados de preguiçosos, e a sorte é vista como uma traidora. Os torcedores, que há pouco estavam celebrando, agora protestam, queimam camisas e pedem a demissão de todos.

A Reflexão Necessária

Essa oscilação de emoções e análises extremas no futebol reflete um aspecto fundamental da natureza humana: a tendência a buscar explicações simplistas e emocionais para eventos complexos. O futebol é um esporte imprevisível, onde muitas variáveis estão em jogo, incluindo a qualidade do adversário, as condições climáticas e até mesmo a sorte.

Ao invés de cair na armadilha da ordália, é importante lembrar que o futebol é um jogo onde vitórias e derrotas fazem parte do pacote. Nem toda vitória é perfeita, nem toda derrota é um desastre. A análise precisa ser equilibrada, levando em consideração diversos fatores que contribuem para o resultado de uma partida.

O futebol é apaixonante justamente por ser imprevisível e emocionante. Ao entender que a análise deve ser mais ponderada e menos passional, podemos apreciar ainda mais esse esporte que move multidões. Vitórias e derrotas fazem parte da jornada, e é isso que torna o futebol tão especial.

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