Será que Jesus era alfabetizado? E seus apóstolos? Vamos estudar um pouco essa questão?
A ideia de que a transmissão do conhecimento no mundo antigo era predominantemente oral está bem fundamentada historicamente. A alfabetização, especialmente entre as classes populares, era limitada, e a cultura oral predominava tanto no judaísmo quanto no mundo greco-romano. Vamos avaliar evidências e documentos que sustentam essa visão, além de discutir a alfabetização de Jesus e seus apóstolos.
1. A Cultura Oral no Mundo Antigo
A oralidade era o meio principal de transmissão do conhecimento em muitas sociedades antigas. A escrita existia, mas era restrita a elites, escribas e funcionários administrativos.
1.1. O Mundo Judaico e a Transmissão Oral
O judaísmo do Segundo Templo (516 a.C. – 70 d.C.) valorizava a oralidade na preservação da Torá e da tradição religiosa:
- A Lei Oral (Torá Shebe’al Peh) era ensinada e memorizada por rabinos e discípulos. Os textos escritos (Torá Escrita) eram lidos publicamente, mas o aprendizado vinha principalmente da repetição oral.
- Exemplo Bíblico: Em Deuteronômio 6:4-9, Deus ordena que os mandamentos sejam falados continuamente dentro da família e escritos nas portas, indicando a primazia da tradição oral sobre a escrita.
1.2. O Mundo Greco-Romano e a Oralidade
- No mundo greco-romano, a oralidade era a principal forma de comunicação e ensino, mesmo entre as elites. Filósofos como Sócrates, por exemplo, não escreveram nada; suas ideias foram registradas por discípulos como Platão.
- A literatura oral, como a Ilíada e a Odisseia, foi recitada por séculos antes de ser fixada por escrito.
Fontes Históricas que Comprovam a Cultura Oral:
- Werner Kelber, em The Oral and the Written Gospel (1983), argumenta que os Evangelhos foram formados primeiro por meio da tradição oral, e que a transição para a escrita alterou sua dinâmica e interpretação.
- Milman Parry e Albert Lord, especialistas na tradição oral, demonstraram como culturas antigas preservavam histórias por meio de fórmulas repetitivas e memorização, um método que pode ter sido usado na transmissão dos ensinamentos de Jesus.
2. A Alfabetização no Tempo de Jesus
A alfabetização na Palestina do século I era muito limitada, especialmente entre camponeses e pescadores, como os apóstolos de Jesus.
2.1. Níveis de Alfabetização no Império Romano
- Estudos estimam que apenas 10% da população do Império Romano sabia ler e escrever. Essa taxa era ainda menor entre os camponeses da Galileia e da Judeia.
- William Harris, em Ancient Literacy (1989), argumenta que a alfabetização funcional era um privilégio das elites urbanas, enquanto a maioria da população dependia da oralidade.
2.2. Alfabetização no Contexto Judaico
- A educação judaica enfatizava a memorização das Escrituras. Meninos judeus aprendiam a recitar a Torá nas sinagogas, mas nem todos aprendiam a escrever.
- Havia escribas profissionais (soferim) encarregados da escrita e cópia dos textos sagrados.
Evidências Históricas e Bíblicas
- Jesus sabia ler? Lucas 4:16-20 relata que Jesus leu um rolo de Isaías na sinagoga de Nazaré. Isso pode sugerir que ele era alfabetizado, mas há debates sobre se a leitura era literal ou parte de uma tradição oral recitada.
- Os apóstolos sabiam escrever?
- Pedro e João são descritos como “homens iletrados e incultos” (agrammatoi kai idiōtai) em Atos 4:13. Isso indica que não tinham treinamento formal em leitura e escrita.
- As cartas atribuídas a Pedro (1 e 2 Pedro) podem ter sido ditadas a escribas. Paulo frequentemente usava amanuenses (Romanos 16:22 menciona Tércio como escriba de Paulo).
3. Como os Evangelhos Foram Preservados se os Apóstolos Eram Ilettrados?
A hipótese mais aceita é que os ensinamentos de Jesus circularam oralmente por décadas antes de serem escritos. Os primeiros cristãos confiavam em:
- Pregadores e Catequistas – Memorizavam os ensinamentos e os transmitiam oralmente.
- Leitores nas Comunidades – Responsáveis por ler os textos nas reuniões cristãs.
- Escribas Cristãos – Provavelmente registraram os Evangelhos com base nos relatos orais dos discípulos.
A oralidade foi crucial na formação do cristianismo primitivo, com os evangelistas registrando as histórias em papiro décadas depois.
Conclusão: Jesus era Alfabetizado? E seus apóstolos?
- Jesus provavelmente sabia ler, mas não há evidências claras de que escrevia.
- Os apóstolos, na maioria, eram analfabetos funcionais e dependiam da tradição oral e de escribas para registrar seus ensinamentos.
- A oralidade foi o principal meio de preservação dos ensinamentos de Jesus, e os Evangelhos foram escritos posteriormente por seguidores ou escribas que ouviram as tradições orais.
Isso confirma que a tradição oral era o principal modo de transmissão do conhecimento na época e que a alfabetização não era uma necessidade para a maioria das pessoas comuns.
Comentar